domingo, 17 de maio de 2009

Temporada de chuva em Salvador deixa 615 casas com risco de desabar

Para se livrar do aluguel, Daniel Ferreira, 39 anos, aceitou a oferta da sogra e fez o seu “puxadinho” na casa dela para abrigar a família em dois cômodos. Tudo ia bem até que parte do barranco que fica nos fundos da casa deslizou, derrubando a parede recém-construída. Por pouco não atingiu a cama onde a filha dormia. O susto foi grande e ele teve que se mudar para a casa de um vizinho. Quinta-feira, ele finalmente conseguiu a visita de uma engenheira da Defesa Civil da Prefeitura de Salvador (Codesal) ao local e, assim, se habilitou a receber assistência social.

Para localizar o endereço de Daniel, a engenheira Hilda Rocha teve que esperá-lo na rua principal e de lá descer por uma longa escadaria até chegar na parte mais baixa do vale. A Baixa da Paz, no bairro de Sussuarana, retrata um dos quadros mais precários em condições de moradia que se pode ver em Salvador, onde 174 mil moradias estão totalmente inadequadas e com recomendação para remoção para outros locais segundo dados do Plano Municipal de Habitação (PMH). Ali, as casas chegam até a beira de dois córregos, que originalmente tinham suas nascentes envoltas em densa vegetação, e hoje carreiam esgotos.

Quando chove forte, os córregos transbordam e alagam as casas. Nesta temporada chuvosa já são 615 imóveis ameaçados de desabar em vários pontos da cidade. Situação que preocupa Ednéia Lima Souza. Na sua casa, telhas de amianto quebradas são escoradas com uma madeira colocada pelo marido, Washington Luís dos Santos, no meio da pequena sala. Restos da antiga alvenaria a 70 centímetros do chão denunciam o achatamento do terreno, que, encharcado, cedeu há anos. A família, sem escolha, voltou ao local e ergueu o casebre, que novamente foi alagado.

A notícia da presença da engenheira se espalhou e logo ela estava arrodeada de mulheres e homens, todos com um motivo para arrastá-la até suas casas. Entre a visita ao puxadinho de Daniel e a parte de cima do barranco que preocupa o ajudante de serviços gerais e nativo de Barra do Gil, na Ilha de Itaparica, Hilda subiu outras escadarias, entrou em casebres, com cães agitados latindo, para passar as orientações da Defesa Civil. Como uma médica, prescrevendo receitas, ela deixava as recomendações anotadas em um pequeno formulário. A receita era quase sempre a mesma: lona plástica como paliativo até ser possível a solução definitiva, à base de muito concreto, para a contenção das encostas e melhoria na estrutura das casas.

Formada em engenharia há 15 anos, ela diz que, como profissional, a sensação que tem é de “impotência” diante do quadro precário em que se encontram as moradias dos fundos de vale. Há quatro anos na Codesal, e sempre envolvida na operação chuva, de atendimento às solicitações que chegam pela linha 199, ela diz que o mais triste de tudo é voltar em locais onde ela já esteve antes e ver que nada mudou. “É como um dejavour”, diz.

Atendimento – A casa de Sandra Quirino dos Santos, 50 anos, erguida sobre o barranco que ameaça a casa da sogra de Daniel e mais outras seis, também foi visitada. Sobre a laje da casa foi erguida a da filha de Sandra. As paredes externas não têm reboco e, por dentro, rachaduras nas paredes e infiltrações no teto indicam que a situação é preocupante. Na “consulta”, a engenheira indica a necessidade urgente de reparos na estrutura, que a matriarca acreditava sólida por ter quase dois metros de fundação, mas denuncia: “Foi muito pedreiro mamão que teve aqui dizendo que sabia fazer”, disse.

Para alívio de Daniel, a engenheira descartou o risco de o barranco desabar sobre as casas que ficam abaixo, mas recomendou que ele fosse à Codesal buscar lona para cobrir a encosta emergencialmente. A solução é paliativa porque, somente a contenção, a base de concreto, resolverá o caso, avalia a técnica. Daniel e seus vizinhos terão que se juntar para fazer a obra porque, como fica em fundo de quintal, a prefeitura entende o caso como obra privada, que deve ser custeada pelos proprietários, conforme orienta a engenheira. Preocupada em não criar falsa expectativa, Hilda diz que, mesmo assim, recomendará ao setor de obras da prefeitura uma avaliação para possível intervenção no local. “Quem sabe, né?”, diz Daniel, com resignação.

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